Ele não parava de reclamar. Já estava caminhando a quase 20 minutos, e só estava na metade do caminho. Resmungava a todo instante, "aah, que mochila pesada! Não aguento mais, todo dia levo livro que não acaba mais!", ele se perguntava se valia pena tudo isso que estava passando. Ficando o dia todo fora de casa, pela manhã na escola e a tarde fazendo curso. carregando aquela mochila super pesada, suando.
Já tinha pensando muitas vezes em deixar de levar alguns livros, mesmo sabendo que iria precisar deles para compreender os assuntos e fazer exercícios, ele só queria um pouco de alívio.
Para ele, nada poderia ser pior que aquilo.
E então, no ápice de sua raiva ele desabafou: "Que droga, odeio isso tudo!". Segundos depois, sentiu um cheiro desagradável de suor e mofo. Demorou alguns segundos para perceber que o cheiro vinha dele mesmo, e percebeu que estava de chinelo, short e camisetas surrados e rasgados. O seu cérebro deu um nó, aquilo era impossível, será que tinha desmaiado e fora roubado? Mas porque estaria com aquelas roupas? Não fazia sentido, mas era a única resposta, ele continuou andando, olhou ao seu redor, e percebeu que ninguém o estava encarando, sinal de que ninguém vira o que acontecera: sua farda havia sumido, e no lugar, estava com aquelas vestes agora. Então, notou que ainda estava com um peso nas costas: "Hmm..pelo menos o ladrão não levou minha mochila!", quando passou o peso para sua frente, viu que na verdade aquilo eram duas sacas enormes, uma cheia de garrafas pet e outra com latinhas.
- Ô Lima! Ta moscando ai é? Bora meu filho, "a loja" já vai fechar, temos que apertar o passo pra chegar a tempo de vender! - um rapaz vestindo roupas não menos surradas que a dele e igualmente com duas sacas.
Sem entender, ele o seguiu. Minutos depois chegaram a um centro de reciclagem, onde o outro rapaz colocou cada saca em uma balança diferente. Ele fez o mesmo em outras duas balanças que tinham ali. Uma moça anotou os pesos, e deu uma quantia em dinheiro para cada.
- É, tá ficando tarde, vamos pra casa! - O rapaz sorriu, e tinha dito "casa" com um tom diferente, carregado de sarcasmo.
Ele tinha certeza que estava sonhando, ou melhor, tendo um pesadelo. Aquilo não poderia estar acontecendo, seu nome não era Lima, e ele não era catador.
- Cara, eu não te conheço, não sou catador, estou num pesadelo, só isso, vou acordar daqui a pouco!
- Sim, claro que sim! - O outro disse com um tom de desinteresse.
Aquele pesadelo parecia tão real, porque sua mente estava reproduzindo isto? Ele já estava angustiado. Já fazia meia hora que andavam e não tinham chegado a tal "casa". "Ok, ok. Já posso acordar, acho que isso é pior que um pesadelo, tá tão monótono, pesadelo são aqueles coisas com fantasmas, monstros.. E isso aqui não tem nada disso." Ele só queria que sua mente voltasse para casa, não estava aguentando mais aquilo tudo.
Foi então que viu um adolescente andando na direção oposta, no outro lado da rua. Ele estava fardado, com uma mochila e com cara de poucos amigos, resmungando coisas ininteligíveis. Até que ele simplesmente falou em voz alta: "Que droga, odeio isso tudo!".
O catador se assustou, parou de sobressalto e ficou olhando o garoto passar. O que estava acontecendo? "Me..meu Deus! Será que eu era aquele..."
Naquele momento, ele percebeu que nada poderia ser pior que aquilo.