Universo..rs). Nós não escolhemos ou pedimos para nascer, nós sabemos concretamente muito pouco a respeito deste Universo. Diferentemente do que se acreditava, nosso planeta não é o centro de tudo, somos só mais um planeta entre bilhões.
A Wikipedia diz que complexo de superioridade "refere-se a um mecanismo subconsciente de compensação neurótica desenvolvido por um indivíduo como resultado de sentimentos de inferioridade".
E eu começo a imaginar que todo ser humano tem esse complexo. Todos nós, ao vermos que somos tão pequenos que só nosso país já nos parece gigante, procuramos algo que nos torne únicos, especiais.
Os nazistas encontravam em sua "raça" um motivo para serem superiores aos demais povos, que deveriam ser eliminados.
Os donos de escravos viam nestes um objeto que poderia ser utilizado para auxiliar aqueles que eram superiores no que fôsse preciso
O brasileiro não vai com a cara do argentino
Muitos sudestinos são melhores que os nordestinos
O baiano vê os estados de cima como seu terraço.
Sempre haverá alguém que se vê superior a outrem.
Motivos podem ser os mais diversos, por seguir uma ideologia, por chegar a certa conclusão, ou simplesmente porque alguém, um dia, se fez superior, e agora o feito inferior quer se vingar. Todos os motivos caem em um só: o ser humano quer ser notado.
Hoje eu fui vítima de um ciclo vicioso e que, por sua recorrência, é algo já tido como banal. O tal do "trote".
Apesar de não ter sido atingido física, o fui moralmente. Os tais veteranos simplesmente se colocaram na porta da sala, impedindo a passagem. Pedi licença, e em resposta só houve hostilidade: "tá pensando que vai pra onde?"; "qual é seu nome? qual é seu curso". Tentando permanecer calmo, pedi novamente licença, alegando que não queria nem iria participar do tal trote. Novamente, mais hostilidade. Consegui passar por duas garotas, mas ainda assim fui parado por outra garota (me pareceu ser a menor do grupo, que era, em totalidade, menor que eu), tentei forçar a passagem e ela disse para eu não tocá-la, pois a mesma não estava me segurando, e eu disse que ela estava impedindo a minha passagem.
Finalmente, um rapaz, que pareceu ser o líder do grupo, chegou do meu lado e falou civilizadamente comigo: "Cara, essa é uma experiência que você não terá nunca mais na vida, é especial!". Repeti que não queria e ele assentiu, só assim a garota saiu de minha frente e pude me deslocar. E então eles entraram na sala, que havia cerca de 13 colegas meus. Enquanto andava pelo corredor, ouvi uma das garotas dizer "Fecha a porta aí, não vai sair ninguém!".
Chegando na escada me encontrei com a professora que tinha dado aula, e ela me disse: "Você conseguiu sair de lá? Eles não fizeram nada?", com uma cara super espantada. Conversamos um pouco a respeito da falta de propósito no trote, da maneira como ele é feito e tal, e depois fui para casa, ainda um pouco transtornado pela situação que fui obrigado a passar.
Desde que passei na UFBA eu tive certeza de que não participaria de qualquer evento relativo ao trote. Sim, sou chato, e sabia qual era o verdadeiro significado por trás dessa aparente ingênua "boas-vindas". Aquilo nada mais é do que poder. Os veteranos se julgam no poder (inclusive, enquanto ainda estava em aula, ouvi alguém no corredor falar alto: "O comando aqui é nosso!"), e pesquisando o contexto histórico do trote, enxergaremos que não é nada mais que isso. O veterano se julgando superior ao calouro.
Já ouvi muitos motivos de veteranos, porque eles se chateiam pelo calouro achar que a faculdade é uma maravilha, por status, ou simplesmente querendo se vingar em outra pessoa pelo trote que já tomou.
A coisa já começa pelo termo "trote". Que vem da velocidade do cavalo, entre uma marcha lenta e o galope. O cavalo é treinado, domesticado durante o trote. E a ideia é de que, com o trote, o veterano pudesse mostrar ao calouro quem estava no comando.
A origem de "vestibular" também é interessante. Os candidatos aos cursos das primeiras universidades europeias não podiam frequentar as mesmas salas que os veteranos e, portanto, assistiam às aulas a partir dos "vestíbulos" - local em que eram guardadas as vestimentas dos alunos. "As roupas dos novatos eram retiradas e queimadas, e seus cabelos, raspados. Essas atividades eram justificadas sobretudo pela necessidade de aplicação de medidas profiláticas (higiênicas, de limpeza) contra a propagação de doenças".
Eu não vi nada de recepção ou boas-vindas naquilo que aqueles veteranos estavam fazendo. Eles queriam me obrigar a participar daquele ato, foram hostis.
Sou muito apegado a símbolos, significados, e eu nunca iria me submeter a algo que remete a inferiorização de alguém, por mais maquiada de "quebra-gelo, recepção" que aquilo seja.
Voltando ao que eu disse no início, o sentimento de superioridade invade cada um de nós. O veterano se acha no direito de, contra a vontade do calouro, fazer algum tipo de brincadeira com ele (por mais ou menos bem intencionada que seja). O calouro, em poucos semestres, será invadido por esse sentimento de superioridade também.
Foi o que aconteceu quando eu saí do SESI, meses depois de concluir o ensino médio e estar no SENAI, muitos colegas meus já tratavam os sesianos como guris, inferiores. Foi o que aconteceu quando entramos no SESI, e passávamos no SENAI para almoçar, os que estavam no lugar que três anos depois nós estaríamos nos olhavam e riam de nós.
É o que acontece quando alguém que nasceu nas décadas de 60, 70, vê jovens com diversões que, para eles, são completamente fúteis, e que na época deles a infância era mais divertida, o namoro. Dizem que essa geração é perdida, como se já tivesse havido alguma "geração salva" na terra. É o que acontece com quem nasceu na década de 90, que acha que sua infância foi melhor do que a das crianças de hoje.
Sempre houve o complexo de superioridade, sempre haverá.
"O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós.
(Eclesiastes 1:9-10)"
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